Tenho o hábito pouco saudável de frequentar um café cibernético aqui perto de casa. É um ambiente hostil em todos os sentidos, tanto pelos frequentadores, em grande maioria atraídos pel0s jogos em rede, quanto pelos donos, se é que posso chamá-los assim, pois já vi bem uns dez caras e meninas recebendo o dinheiro, os quais não tiram os olhos dos seus joguinhos e eméssenes nem para te atender (parece que fazem um favor em te ceder uma máquina).
Se assemelham àqueles funcionários de grandes lojas de departamento e supermercados, os quais, bem estabelecidos no mercado do capitalismo selvagem, não se preocupam em tratar os clientes com simpatia. Eu certamente não sou uma prioridade ali, alheio que sou às suas práticas e rituais. A música ambiente - na verdade, ensurdecedora - é a eletrônica, claro, daquela de mais baixa estirpe e alta velocidade de batidas por segundo.
O próprio espaço físico é claustrofóbico: escuro, com um permanente cheiro de detergente e pouco asseado, apesar (ou por causa) disso. Nesse muquifo todos se conhecem, falam em códigos estranhos, gritam por cima da música, riem o riso das hienas, se intrometem nas atividades dos outros... ali sou um cisto, um tumor maligno que só faz mal a si mesmo. Me sinto nada à vontade nesse lugar, ao qual recorro quando o concorrente ao lado (que tem uma interface bem mais amigável) está com todos os seus computadores ocupados.
Hoje vi uma cena que me fez rir comigo mesmo enquanto derivava pelo mundo do orkut. Um japa cabeludo entrou na sala e, cheio de graça infantil, perguntou para o jogador ao meu lado:
- Égua, o que é isso aí?! Jogo, é? Pô, muito firme. Tu és esse cara de espada aí, é? Pode crer! Égua, tem até esqueleto nesse jogo!
O japa tinha o inconfundível estilo dos malacos de Belém (sem sentido pejorativo), o que me causou uma estranha impressão que na hora não soube definir, mas agora sei que era a inusitada combinação de oriental com jovem de periferia em Belém. O rapaz moreno de cabelos oxigenados ao meu lado ou não ouviu o curioso ou ficou completamente desconcertado com a forma intrusiva que aquele estranho no ninho se comportava (acredito mais na segunda hipótese, pois flagrei uma expressão tensa no garoto). Por outro lado, o divertido japonês não parava de falar, sobre a bola que tinha acabado de bater, o mendigo figura que encontrou lá fora, e, principalmente, do seu fascínio pelo mundo novo dos jogos virtuais. Após tirar inúmeras graças com os jogadores profissionais, sentou-se ao lado do cara que ora atendia o pessoal e foi direto ao ponto:
- Porra cara, gostei dessa história aí. Me ensina a jogar, velho! Muito firme, doido.
- É muito chato ensinar a noobs (não sei se é assim que se escreve) - respondeu o outro, taciturno e tímido do alto de seus um metro e oitenta. Observei o triste rapaz, e divaguei sobre o que ele faria fora do mundo de bits. Fiquei deprimido por ele.
-Noob? Ah, é o cara que não sabe jogar? Ê rapá, eu aprendo rápido! - disse o japonês, mostrando perspicácia. Eu apostaria cem reais que ele aprende rápido mesmo.
Saiu do lugar com a mesma intespetividade com que entrou. A euforia do seu espírito não cabia na aridez reinante, e foi procurar outra coisa para se assombrar e se excitar novamente. Tenho convicção de que vi um homem que vive como poeta, sátiro, boêmio, e lamentava pela nossa tristeza, a mesma dos bêbados abandonados no balcão de um bar ao alvorecer. Não queria aprender nada, quis apenas nos ensinar como faz bem aproveitar o dia claro que iluminava tudo lá fora.
"Carnaval, desengano
deixei a dor em casa me esperando
e brinquei, me pintei, e fui
vestido de rei
Quarta-feira
sempre desce o pano (...)
No Carnaval, esperança
de gente longe viva na lembrança
que gente triste possa entrar na dança
e gente grande saiba ser criança"
(Chico Buarque de Hollanda, Sonho de um Carnaval)
Alan Araguaia
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007
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3 comentários:
Percebi um quê de Tolstoi no teu texto...passei boa parte do meu carnaval me deliciando com aqueles personagens e com a descrição minuciosa da subjetividade de cada um (Ana Karênina). Valeu araguaia.
Nerusa
E que título é esse?? haha
um quê de Tolstoi? era um rapaz esforçado... gostei da comparação! hahahahahaha o título foi de última hora, mas deixa assim.
bjo,
Araguaia
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