A rua da minha casa é de terra, não tem asfalto e lixeira. Tem um lixão? Sim, minha vizinha trabalha lá, bem aqui no Aurá, seus sete filhos estão com ela ou nas ruas e vielas, com seus malabaris ou vendendo balas e picolés.
A Bolsa-escola ajuda, depois que meus dois filhos mais velhos foram para a prisão de Americano e, Marina, minha filhinha, virou garota de programa, esse dinheiro veio de Deus para as minhas mãos. Coloquei o quinto, menino Marinaldo, de 14 anos, para estudar na escola do bairro, mas ele está indo reparar carro na frente da Prefeitura, aquele bonito Palácio Azul chamado Antônio Lemos, onde falsos flanelinhas arrombavam e roubavam os carros estacionados na rua.
“Tem um monte de carro bonito e gente importante trabalhando naquela área. Eu até já vi o prefeito”, disse Marinaldo. É, os homens importantes passam imponentes, em seus carros importados vestindo as roupas da última moda compradas em um shopping no centro da cidade.
Eu era doméstica, mas a minha patroa ficou com dificuldades financeiras e dispensou-me. Eu não entendi bem o porquê, ela me falou “ah, é a classe média”. Diz que é culpa do governo e, uma coisa é certa: é tanto imposto e cadê o esgoto?
Ontem choveu por quase dez horas. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia de Belém – Inmet, a expectativa é de chuva em 90% dos 28 dias do mês. Não serão as chuvas mais fortes do período, contudo serão constantes. Chuvisco, sereno, chuvarada e tempestade. O que nos aguarda para os próximos meses?
Chuva aconchegante para dormir, mas causadora de estragos e alagamentos pela cidade. Causadora? Não, a causa é o nosso comportamento, a culpa é do homem. A natureza em nada tem a ver se a poluímos, se jogamos lixos nas calçadas sem lixeiras, se vivemos empilhados em moradias sem planejamento, sem saneamento, sem água, potável, sem energia, sem assistência.
Energia, o assunto do momento. Querem mais energia construindo hidrelétricas, só que falta na minha casa, na minha rua e no bairro inteiro. O vizinho da frente tem um “gato”, não pode reclamar se não tem energia na casa dele. Pensando bem... as coisas andam difíceis para ele, está sem emprego há três anos e faz uns “bicos”de pedreiro. Seu filho mais velho largou a escola e trabalha em uma farmácia, ajudando no sustento da casa.
Adelaide, minha irmã, ficou sem colchão, sofá e fogão. A chuva entrou em sua casa e levou os seus móveis. O que não levou, estragou. Ela ainda teve sorte, porque a minha amiga Josefina foi morar em um abrigo. A casa dela caiu, a chuva derrubou e, no lugar dela, nada ficou.
Eu continuo tendo esperança de que as coisas vão melhorar. As chuvas passam, outros políticos são eleitos, até construíram uma nova escola em meu bairro. Tudo novo, só falta professor. Formamos uma associação de bairro para pedirmos água encanada, saneamento, asfalto, hospital, escola (com professor), emprego, saúde, segurança, financiamento para casa própria, energia elétrica, iluminação pública, cestas básicas, transporte público eficiente, limpo e planejado, lixeira nas ruas, aterramento do lixão acumulado com dejetos hospitalares...
As chuvas vêm, os políticos vão e, pouca coisa muda. A chuva somente estampa o que já está mais do que na cara, as mazelas sociais de nossa cidade, de nosso Estado e de nosso país, pedindo urgentemente por soluções. Enquanto ela não vem a gente faz o que é comum nesse país: vai dando um jeitinho!
* Maria Estela é uma personagem fictícia representante de uma parcela da população desatendida, esquecida pelo poder público. Ela acredita que as coisas ainda podem mudar.
“Águas de março”, Tom Jobim e Elis Regina.
A gente ainda não está em março, mas as águas já estão levando tudo!
Fabíola Corrêa
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