terça-feira, 1 de maio de 2007

Sonho que sonhei junto

Hoje é dia do trabalho. Há quem diga que é o dia do trabalhador. Como não existe trabalho sem trabalhador, nem trabalhador sem trabalho, acho que qualquer uma das opções está correta. No exato momento em que comecei esse texto, lembrei que há cinco ou seis anos (não sou velho, fui precoce) a essa hora eu estaria praticando a minha religião: a revolução socialista.

Em minha subjetividade, assim como nas subjetividades de milhares de pessoas, o ato de agitar uma bandeira, gritando uma palavra-de-ordem e dirigindo um imenso ódio ao status quo, representado ali pelos soldados armados (amados ou não) que acompanhavam com desconfiança e reprovação a passeata, tudo isso era a minha contribuição para a revolução. Quem me conhece, sabe que eu "viajava" nessa história.

Recém-saído da infância, minhas imaginações ainda eram bastante generosas, e me transportavam a um mundo fantástico, no qual não estava dando uma simples pernada no sol quente (e que pernada!) de São Braz para o Comércio, mas marchando em direção à tomada do poder, que devia estar escondido em algum daqueles grandes prédios sisudos pelos quais passávamos. Eu não compreendia porque apenas passávamos pelos prédios, e não invadíamos logo um deles e instituíamos o governo operário e camponês (meu Deus, se eu não disser que isso aconteceu no início do século XXI ninguém acredita). Acreditem, até hoje há quem fale nesses termos e "ainda são os mesmos, e vivem como os nossos pais".

Agora posso entender claramente o sentimento que me tomava quando chegava por volta do meio-dia, e eu sabia que a passeata estava para terminar. Fazendo uma analogia, era como a quarta de cinzas, ou o domingo à noite, ou o despertar de um sonho muito bom. A magia ia se acabar, depois que a banda passasse, "e cada qual no seu canto, em cada canto uma dor". Não tínhamos feito a revolução. Íamos voltar para nossas casas, enrolar as bandeiras, tomar melkatoss para a garganta, um banho bem demorado, dormir e acordar no dia seguinte para ir trabalhar, estudar... os chefes são os mesmos e continuam autoritários, desumanos e horríveis. As escolas e universidades ainda estão de pé, com as mesmas estruturas "sucateadas" (eu adorava essa palavra).

- Alan, tu apareceste no jornal naquela onda toda. Qual é, queria fazer a revolução? Che Gue Vara! - poerguntava um colega que se dizia nazista, e eu, ingenuamente, discutia com ele, sem suspeitar que ele estava apenas se divertindo às minhas custas.

-Rsrsrsrs - eu primeiro ria, um riso nervoso, à procura das palavras certas para responder às provocações. Mas eu nunca estava satisfeito com as minhas respostas.

Participar de uma passeata revolucionária é como sonhar acordado e publicar o sonho no jornal. Imaginem quantas pessoas morreriam de vergonha se os outros pudessem saber o que se passava em suas cabeças, de noite na cama, enquanto dormiam.

Fonografia: Pra não dizer que não falei das flores (Geraldo Vandré); Como nossos pais (Belchior); A banda (Chico Buarque). Todas canções dos anos de chumbo.

Alan Araguaia

5 comentários:

Anônimo disse...

fiquei imaginado tua risada nervosa...

Anônimo disse...

ah e "sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é reali-DA-DE" (cantada pela Lari!)

Unknown disse...

Nosso confessionário virtual tá se movimentando.
Muito bom o texto, araguaia. Fiquei lendo e lembrando das minhas atuações também.
Aliás, te conheci numa passeata, lembra? Daniel Rios Garza é o responsável por essa tragédia na minha vida. hahahahaha
Hacemos la revolución, compañeros.

En la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras,
noches,
poemas.
Paulo Leminski

Copyright by "agenda do pstu"

Anônimo disse...

hahahahah! Também fiquei imaginando a risada eufórica e curta.
El

Controversus disse...

Manifeste-se, proteste-se, interrogue-se, revolte-se, indgine-se, pergunte-se, pense...

Fabíola Corrêa