segunda-feira, 28 de maio de 2007

A perfeita imperfeição da literatura

Alguns escritores transmitem uma serenidade quase transcendental. Lemos as suas palavras e é como se ouvíssemos uma voz bem suave de alguém que parece já estar em outro plano. Outros nos causam indignação, e nos faz sentir identificados com a sua miséria demasiado humana. Em ambos os casos a literatura é um exercício de transfiguração, teletransporte (quando é literatura boa, claro). Sentimos prazer tanto quando vislumbramos pelas páginas de um livro uma existência melhor, sentimentos mais nobres do que a nossa mesquinharia cotidiana, quanto ao perceber que não somos os únicos, nem os piores dos seres. Nossa pequenez então assume uma nobreza emprestada.

O diferencial dos grandes escritores da literatura universal é sintetizar em um único volume a complexidade dos sentimentos e personalidades humanas. A literatura é tanto melhor quanto mais imperfeita for a realidade que apresentar. Um grande escritor não faz do seu último parágrafo uma conclusão. Ele nos faz ter vontade de retornar ao começo e procurar por nós mesmos o que ficou por se compreender. O bom disso é que as possíveis explicações nunca terminam.

Aliás, um grande romance pode ser concluído e ponto final. Mas deve sugerir que o leitor duvide da perfeição daquele final, porque leitor de grande romance costuma ser pessimista mesmo. A felicidade plena parece uma piada aos olhos desse ser amargo. Ele olhará para aquele personagem que se julga feliz para sempre e suspirará: coitado.

É o caso de Ana Karenina, o grande romance de Leon Tolstoi. A trama é muito bem construída. Se eu não tivesse receio de usar essa palavra, diria que é perfeita, o que não me contradiz, porque imperfeitos são os personagens, mas sua vida comum se entrelaça de maneira... perfeita.

Tolstoi se afasta do maniqueísmo, do simplismo romântico. Todos os seus personagens são justificáveis, são produzidos socialmente. No entanto, assim como na vida real, não cabe absolver os erros pelo simples motivo de serem justificados. É concebível deixar um psicopata solto porque ele é fruto do seu meio?

Dessa maneira, em Ana Karenina assumimos o partido daqueles que provavelmente seriam nossos amigos, ou mesmo se justapõem a nós próprios. Eu tenho o meu mocinho. Mas em certos momentos das mais de setecentas páginas quis abandonar o meu mocinho e torcer por outros. Ler um livro como esse é uma auto-análise. É impossível sair dele sem ter mudado pelo menos um pouco.

3 comentários:

Anônimo disse...

Quem escreveu?

Fabíola Corrêa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabíola Corrêa disse...

Assim como a literatura, um bom filme se constrói de boas narrativas, surpreendentes desfechos e imprevisíveis momentos. O diretor, como o roteirista e um literário é, um observador astuto das circuntâncias da vida e da sociedade que o cerca.
Seja na literatura, seja no cinema, romance de qualidade é aquele que foje do lugar-comum, extraindo o melhor de seus personagens, dos seus erros e virtudes.
Somos a fonte de inspiração, e eles nos inspiram em nossas ações. Uma troca, entre real e ilusório, onde o ilusório cria a partir do real e, o real se atém ao ilusório rumo aos seus caminhos.