quarta-feira, 27 de maio de 2009

Um encontro casual

Andava nas ruas abarrotadas de gente no centro, olhando para um depois para outro, tentando adivinhar o que significavam aquelas fisionomias. Não era algo meditado, não havia ciência alguma nesse ato. Simplesmente impulso, ao qual se entregava autocomplacente. Um homem em particular chamou-lhe a atenção em todo aquele movimento. Vestido com um roto paletó e calças um pouco curtas para si, deixando entrever as canelas finas, andava de um lado para o outro como quem busca uma solução. Mas não parecia concentrado em reflexões, pelo contrário: dedo em riste, livro grosso aberto na mão, dirigia-se a todos os passantes. De certo fazia um discurso. Trinta anos haviam se passado desde que deixou o colégio, mas reconheceu Frederico, o amigo inseparável. Aproximou-se surpreso, mas feliz com aquele reencontro.

"Arrependam-se", gritava Fred, exaltado. "Esse é o último chamado dos céus!" Sorriso tímido, ele caminhava devagar na direção do amigo de outros tempos. Mais retraído ficou quando ao fitá-lo, Fred não esboçou nenhuma alteração, mantendo os mesmos olhos injetados. "Tu, irmão, não mais andes sem rumo, com um vazio no coração. Ouça o chamado de Deus!", bradou em sua direção. Assustado com a admoestação particular, já desanimara de reavivá-lo a lembrança. Ainda assim, esforçando a voz para fora, perguntou: "Fred, és tu?".

Surpreso com a interpelação, coisa rara naquele seu ofício, o pregador franziu ainda mais a testa e assim ficou durante longos segundos. A essa altura, o outro já se recriminava duramente por ter se aproximado. "Que bobagem! Faz tanto tempo que não nos vemos! Devia ter seguido meu caminho", pensava angustiosamente. "Desculpe, amigo, continue seu trabalho", despediu-se afoitamente. Mas quando preparava o primeiro passo adiante, Fred conteve-o com a mão e disse:

"Deus marcou esse encontro. Vivi esses anos a mais amarga vida, por desobediência às suas sagradas leis", declarou em tom de cerimônia. Ele não podia conter mais o desagrado da situação. Sua mente dizia: "Fuja!" Mas ficou, receando magoar o amigo. Ouviu Fred relatar durante cinco minutos todo o sofrimento por que passara, tendo sido mendigo e adquirido doenças incuráveis. "Foi aí que a dor forçou-me a entrar em uma igreja, converti-me e hoje vivo feliz", concluiu, e só aí abriu um largo sorriso. Abraçou-o emocionado, e fez o convite para ir assistir o culto à noite. Ele aceitou vivamente, pegou um folheto e despediu-se. "Até mais tarde!", ainda gritou de longe. Nunca mais viu Fred naquela rua abarrotada do centro.

Um comentário:

Repórter de Sandálias disse...

Envergonhada, percebo que, se fosse comigo, ao reconhecer o fulano, nem teria tentado um primeiro contato...

Muito bom o conto. Faça mais desses!!

:)

Bjos