Mais uma vez os jornalões (?) da cidade demosntram a parcialidade de suas linhas editoriais quando o assunto é violência urbana. Enquanto não há o mínimo de respeito pela dignidade humana de vítimas e algozes pobres, que nesses casos são expostos como torpe espetáculo ou estereotipados sumariamente, aos ricos e poderosos é reservada a civilidade e a sensibilização. Prova de que eles podem fazer o certo, a hora que quiserem.
Hoje as capas dos três jornais (Diário do Pará, O Liberal e Amazônia Jornal - não vi o Público hoje) trazem como manchete principal a morte do médico Salvador Nahmias, ocorrida ontem à tarde por ocasião de um assalto no centro de Belém. A título de exemplo, comentarei o tratamento dispensado pelo Diário, mas que vale para os outros dois.
Cuidadoso, o fotógrafo Leomar Fonseca não se atreveu a aproximar-se do cadáver. Na imagem aparece em segundo plano um homem grisalho com a cabeça pendida para baixo. No detalhe, uma foto do médico sorridente, muito vivo. Provavelmente a famíia não precisou lembrar à equipe de reportagem do seu direito a preservar a imagem do ente querido. Ela já saiu da redação ciente de que tratava-se de "um figurão, e é pra tomar cuidado".
Na mesma edição, há uma situação semelhante. Um "bandido" encontra-se estirado no banco da frente de um carro, com um tiro no peito. Dessa vez o fotógrafo (Alex Ribeiro) chega o mais próximo possível do corpo - claro que não poderia abrir a porta do carro e dar o close desejado. Bem, para a matéria nem nome o dito bandido tem. É um sujeito indefinido, um entre tantos bandidos que aterrorizam a mocinha sociedade.
O jornal mostra-se muito sensível à escalada da violência que noticia todos os dias e tasca um editorial carregado de clichês e ingenuidades (?) dizendo que "a sociedade já não aguenta mais". Até ontem aguentava? Há quanto tempo mesmo um dos temas correntes na boca do povo é o nível intolerável a que chegou a violência? Desse jeito fica parecendo que só é intolerável quando atinge "um dos nossos". E ainda tem gente que considera anacrônico esse papo de classes sociais.
Por fim, quero deixar claro que não minimizo a perda desse ser humano. É lamentável. Só lembro que todos os dias dezenas de seres humanos, os quais valem tanto quanto o médico cardiologista, são trucidados pela barbárie em que vivemos. E esses mesmos jornais que hoje choram, vêem naquelas pessoas apenas mais uma foto bem grotesca que se converta em aumento na vendagem. Isso é que são dois pesos e duas medidas.
Alan Araguaia
sábado, 13 de dezembro de 2008
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Um comentário:
O mesmo aconteceu quando os jornais paraenses noticiaram o assassinato do diretor jurídico dos Supermercados Líder: de forma discreta e atenciosa. Nenhuma foto frontal ou em close, apenas detalhes, e à distância. Provavelmente, limitações impostas pela família, que tinha esse direito, e assim agiu certo. E é nessas horas que, realmente, o Direito de imagem, a Liberdade de Imprensa e os Direitos humanos se chocam. A sorte é que esse jogo de interesses finalmente provocou uma reação e agora a forma que a imprensa de Belém dá atenção à cobertura policial na cidade é tema de ação civil pública engendrada pela Procuradoria Geral do Estado, conforme noticia Lúcio Flávio Pinto, no Jornal Pessial desta quinzena (www.lucioflaviopinto.com.br). Vamos torcer para que a iniciativa renda bons resultados.
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